CTT: serviço de excelência

Eu, que fui uma escrevedora de cartas incansável na minha juventude, há muito que me deixei de epístolas. Mas de vez em quando lá escrevo uma cartita. Esta carta que repousa para lá do envelope azul que vêem, parece-me, todavia, que já só a consigo entregar eu mesma, em mão, e não através da via tradicional. Fruto de uma conjugação de circunstâncias infeliz ela teima em não alcançar a mão da destinatária.

A Cláudia é apenas a minha amiga mais antiga. Conhecemo-nos no hall do Liceu, no primeiro dia de aulas. Por enorme coincidência éramos da mesma turma e ela ou eu,isso já não sei, metemos conversa uma com a outra. Eu tinha acabado de chegar à Figueira da Foz e não conhecia ninguém. Fomos colegas de carteira e tão amigas quanto duas amigas podiam ter sido ao longo dos anos de Liceu. E fomos ainda colegas na Faculdade embora nem mantivéssemos um contacto esteito durante esse período em Coimbra. seguimos caminhos muito diferentes e os contactos regulares desapareceram. Mas a passagem do tempo, ano após ano, não fez desaparecer o bom entendimento e empatia antigos. Mercê de apenas com alguns contactos pontuais e encontros fortuitos continuamos amigas. Então eu, que há muito deixei de ter disponibilidade para os outros, sempre consumida pelos meus projectos e rotinas, lembrei-me numa manhã de Outubro de passar no escritório no dia do aniversário dela. Só que ela não estava. É claro que, durante a tarde, me esqueci de telefonar.Vai daí,uns dias depois comprei um envelope azul para lhe enviar um cartão. Mesmo com atraso, pensava eu, seria bem mais especial do que estar a telefonar. Além isso eu não tenho muita simpatia por telefonemas. Quando fui ver a morada na agenda reparei que a data do aniversário da Cláudia não era 9 de Outubro, é 19 de Outubro. Tinha ido ao escritório 10 dias antes! Fiquei contente pois assim enviaria o cartão a tempo. Só que, chegado o dia festivo, a cabeça de vento não se lembrou. E o envelope ficou escrito na minha secretária por muitos e muitos dias. Ao topar com ele nas semanas que se seguiram ao episódio pensava sempre que o usaria no Natal para lhe enviar um postal. Mas o Natal veio e foi e nada de dar uso ao envelope. Não enviei cartões.

Há um mês atrás encontrei a minha amiga mais uma vez, fortuitamente, em Coimbra, e contei-lhe do envelope na minha secretária. Lá me penitenciei por nunca mais ter dito nada e sugeri trocarmos emails, o que fizemos. Mas disse também que acabaria por lhe escrever pois o envelope estava já endereçado a ela, era só surgir oportunidade. Numa das minhas viagens de comboio, ainda não há um mês, escrevi por fim a carta e no dia seguinte marco com ela. Daí a 3 dias, DEVOLVIDA! Tinha-me esquecido de colocar "Tardoz"!!!!Burra,burra!Apesar de nome, rua, andar e código postal correctos, sem essa indicação a carta veio devolvida por endereço insuficiente.

Comprei novo envelope que enderecei correctamente e coloquei o envelope mal endereçado dentro deste. Usei o mesmo marco de correio, em Coimbra, há 3 dias atrás. Quando hoje cheguei de Coimbra nem podia crer no que via: de novo a carta ali estava, DEVOLVIDA. Caixas no interior! O prédio tem as caixas no interior e ninguém abriu a porta ao senhor carteiro!!Apesar de serem poucos andares,que diabo de coincidência mais aborrecida ninguém estar em casa para abrir a porta ao carteiro naquela hora?! E da vez anterior?!!Seria o primeiro dia de trabalho do carteiro? Ou será que os carteiros são agora muito mais desprendidos e menos zelosos do que eu me recordo de antigamente?Seria assim tão difícil discernir em que caixa colocar a carta? Ela já lá reside há anos e anos.Será que não havia mais correspondência para ela que lhe fornecesse uma pista?!!Pois é, não lhes pagam para ser Sherlock Holmes!!!

Ora, o facto é que cada vez recebemos menos cartas, por isso tudo isto pode ser normal. Não há duas sem três, é o que se diz. E sendo assim acho melhor não voltar a arriscar. Só pode ser o destino a enviar-me mensagens, é o que é!!Está na hora de telefonar à Cláudia e acabar com o ping-pong epistolar. Mais vale um telefone na mão do que dois envelopes a voar, é o que sou forçada a concluir. Só que depois de ter deixado de escrever cartas eu quase também deixei de usar telefones! Onde parará o número dela?!!Ironia, como perceber à luz dos meus novos hábitos e gostos de que conversávamos ao telefone, eu e a Cláudia, mal acabadas de regressar das aulas, quase diariamente, horas intermináveis?!!!Eu já não me recordo.Será que ela se lembra disso?!

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