No espectáculo da ignorância, eu não compro bilhete



Cada vez acho menos piada ao Facebook. Faço login e na homepage, de norte a sul, as pessoas partilharam e comentaram mil vezes o mesmo video ou a mesma imagem. O MESMO video e a MESMA imagem. Isto também acontece nos blogues - toda a gente comenta a notícia do momento, o video do momento, o espirro do momento. Mas no Facebook a façanha acontece em moldes mais rápidos, mais notórios e mais aborrecidos para quem está de fora. Por outro lado, este gesto, se bem utilizado, pode conduzir a resultados notáveis, por exemplo de angariação de fundos para salvar animais e ajudar pessoas, de mobilização em torno de uma causa, entre outras possibilidades. Mas quando de trata de um assunto pateta a força viral da rede dá-lhe um contorno despropositado e, muitas vezes, de puro exagero, a montanha pare um rato, ou umas centenas deles, tantas vezes são os videos partilhados, videos de uma porcaria qualquer, um tipo que se despistou em cima de um skate, por exemplo. Convenhamos que é um tédio. Mas sou só eu a embirrar com o Facebook?! Não há por aí nem que seja uma alma e meia que pense como eu? Não seríamos sequer suficientes para fazer um dueto de almas conspiradoras, mas já seria um princípio! Opinar e comentar é algo extremamente interessante e válido mas não nos moldes em que tanto acontece no Facebook!Não em menos de um minuto, tal a pressa de passar adiante, de preferência enquanto o patrão não chega ou quando ele acabou de sair e se entr ana rede à sucapa. Em resumo: aparece um video que faz furor e somam-se resmas de comentários uns em cima dos outros, que se repetem uns aos outros, bota Like aqui e acolá, share, share, share...Como eu também nunca me entusiasmei a fazer forward do que recebo na minha caixa de email, talvez seja por isso que estas correntes me causam alguma comichão mental, às tantas sou eu que não consigo enxergar mais.


O video do momento é o dos universitários que não sabiam pevas de cultura geral. Como boa ovelha da manada, também fiz comentário no Facebook, ora essa, então não havia de comentar esta pérola? Este caso lembra-me outro video, feito na rua, nos EUA, que vi há não muito tempo, querendo fazer passar o povo americano por estúpido, quando os EUA registam o maior número de patentes no mundo, sim, agora venham dizer-me que são os emigrantes que se mudaram para lá.


Digam o que disserem, este tipo de reportagem é uma falácia. Pode servir para todos os grupos, analfabetos, universitários, juízes, médicos, padeiros, picheleiros, turistas, jogadores de futebol, estrelas da pop... - em qualquer lugar e circunstância, manipulada que seja a edição da mesma - e quase sempre o é porque se não fosse manipulada, o resultado não era nada digno de chamar a atenção. E, além disso, não prova pevas. Cultura geral é saber resmas de factos soltos?! Pensava que cultura geral era saber explicar, por exemplo, quem é José Saramago, conhecê-lo um pouco, saber enquadrá-lo e à sua literatura num período da nossa história, saber o que significa um prémio Nobel, ter lido um ou dois livros dele, ter refletido sobre isso e formado opinião, e o mais que se conseguir relacionar. Não é apenas saber que ele escreveu O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Ora que porra, eu também sei que Bolano escreveu 2666, o livro estava por todo o lado no hipermercado, quando saíu, o livro é um calhamasso, mete-se pelos olhos dentro, impossível não reparar nele. Saber isso torna-me culta? Claro que sim, cultíssima. Todavia, alguém que enche o peito a dizer que está a estudar Turismo deve saber o mínimo sobre a sua área, - não saber qual a capital da Itália?! Ainda se fosse a capital do Lesoto...*e se não souber, ao menos que tenha vergonha, em vez de se rir de forma escancarada e ainda se desculpar com as horas, a falta do café ou das vitaminas. E por isso despejei no Facebook:

Pensava que era uma revista com mais nível, a Sábado. Uma reportagem da treta, para encher papel e obter gracejos à custa da ignorância, seja ela qual for, nunca vai colher o meu agrado. E estes putos deviam ter mais interesse pela cultura e menos em aparecer na TV - Vox Pop é TV? Eu vejo pouca - a qualquer custo a fazer figuras tristes. Eu, que possivelmente responderia à maioria dessas questões feitas na reportagem, mandava logo um piparote nesse micro. Posso dizer que os anos que passei na faculdade atrasaram em muito os meus conhecimentos de cultura geral e que o Liceu foi o período de aprendizagem mais rico que tive na minha vida. PORQUE tinha tempo para ler muita coisa na biblioteca do mesmo e na pública e digerir o que lia. Hoje anda tudo a 1000 e os jovens pensam que os livros lhes causam urticária, nem com toda a web do mundo se safam.Também não é assim tão importante não saber quem escreveu isto ou aquilo, ler é que é, interpretar e integrar o conhecimento. Colecionar factos só por colecionar não é cultura geral nenhuma, é apenas ter memória. É isto que esta reportagem é, um concurso a ver quem tem melhor memória. Pois, estou a escrever "à velha", mas é o que apetece depois de ver estas misérias, aliás só vi o princípio.

* Maseru

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