Cinema: O estranho caso de Benjamin Button


O estranho caso de Benjamin Button, o conto de F.Scott Fitzgerald 
que deu origem ao filme de David Fincher.


O estranho caso de Benjamin Button, em banda desenhada. 

This isn’t just another bird! Its heart rate’s twelve hundred beats a minute! Its wings beats eighty times a second! If you was to stop their wings from beating, they would be died in less than ten seconds… This is no ordinary bird, this is a frikkin’ miracle! Captain Mike 

Quando O estranho caso de Benjamim Button estreou, e depois acumulou com pompa e circunstância talvez uma dúzia de nomeações da Academia, agendei na memória, para ver quando calhasse, mas não fiquei empolgada. No entanto havia boas razões para ir ao cinema: David Fincher a realizar e F.Scott Fitzgerald a inspirar. E havia também razões assim-assim: Brad Pitt, por exemplo.

Primeiro, David Fincher. Realizou Zodiac, baseado em factos verídicos, filme sobre um assassino em série que matou na década de 60 e cuja identidade permanece um mistério. É até ao momento o meu favorito entre os filmes que realizou. Não vi ainda A rede social e não tinha visto O estranho caso de Benjamin Button. Depois, Fitzgerald. Os livros Terna é a noite e o Grande Gatsby levar-me-iam sempre a considerar ver adaptações ao cinema de outras obras suas. Não li o conto em que Eric Roth se baseou para escrever o argumento, mas questiono como é que 76 páginas deram origem a um filme tão longo, haveria mesmo necessidade?! E, por fim, Brad Pitt: desde os tempos de Telma e Louise é um fenómeno de popularidade que me escapa. Quando gosto muito de um filme onde o Brad Pitt entra nunca é por ele lá estar, talvez com a excepção de Inglorius Bastards, onde me divertiu a valer. Os filmes que mais gosto com ele, - não vi todos - que me lembre, são Ocean’s Eleven, O assassino de Jesse James pelo covarde Robert Redford e Destruir depois de ler (Burn after reading). O Brad Pit não me faz comprar bilhetes de cinema nem mesmo quando é nomeado na categoria de melhor actor pela sua interpretação como Benjamin Button.

Abri a internet e passei os olhos pelas opiniões dos cinéfilos e dos críticos só vi elogios e agrados ao filme do bebé que nasceu velho de 80 anos, cravadinho de rugas, cataratas e artrose, para depois morrer um bebé novo, de pele perfeita e olhos límpidos. Na realidade eu estava à espera de um caso mesmo muito estranho, ainda mais desenvolvendo-se a história a partir de Nova Orleães, quando a I Grande Guerra termina, uma cidade multicultural, mística. Uma senhora idosa no lar onde ele é acolhido exclama ao vê-lo nos braços de Queenie, a futura mãe adotiva: “ He looks just like my husband!” Esse devia ter sido, quanto a mim, o conceito a explorar, imaginem esta história na mão de Guillermo del Toro. Mas não, sai-me um filme aparentado com Forrest Gump – outro, que também não me soube a chocolate, quanto muito a bolacha de água e sal. Por coincidência, o argumentista é o mesmo, Eric Roth. Tudo é convenientemente explicadinho e convencional, depois de assimilarmos que o bebé sofreu uma qualquer anomalia genética não há sobressaltos ou surpresas, é assistir a que ele cresça, viva a sua vida e feche os olhos no colo de alguém, rejuvenescido. Confesso que fui assistindo, algo entediada por toda aquela falta de estranheza que esperava encontrar e esmagada pela competência técnica evidente e que até se pode considerar pretensiosa! O meu maior espanto foi ver o Brad Pitt com cara de quem tinha acabado de fazer Thema e Louise! O cinema está transformado num freak show. Não há milagre que não se consiga com alguma maquilhagem e muito CGI. Mas isso não é a alma do cinema.

Este filme parece um palácio sobre estacas de madeira. É a história de Benjamin assim tão interessante? Bem espremidinha, que sumo dá? Uma reflexão sobre a incapacidade de dominarmos a passagem do tempo e de recuperarmos aquilo que perdemos. Nos minutos iniciais, é-nos apresentado o Sr. Bolo, um relojoeiro cego, que consumido pela morte do filho único, contrói um relógio que anda ao contrário, tal o seu desejo de inverter o curso do tempo e devolver a vida aos jovens que tinham morrido na guerra. Resta-nos a inconformação e a esperança:o capitão Mike não se limitou ao destino de comandar um barco, ele tornou-se um artista, a nadadora conquistou o Canal da Mancha aos 60 anos.Há que viver cada dia como se fosse um milagre, o tempo é o que fazemos com ele. Se há coisas que estão condenadas a desaparecer com o tempo, outras podem atravessá-lo e superar o seu teste: as memórias, a amizade, o amor. Nunca sabemos o que a vida nos reserva é a tagline do filme. Não saber o que um filme nos reserva é o melhor trunfo do espetador sábio. Mas aqui nem isso me salvou.

E Brad Pitt? Mereceu assim tanto a nomeação ao Óscar para melhor actor? Por algum motivo, não o levou para casa. A personagem de Benjamin arrasta-se pelo filme, primeiro arrasta os pés, depois arrasta-se de muletas, depois, nem no mar alto ela é muito activa, limpa caca de pássaro, mete dinheiro no correio para uma viúva de guerra, conversa e bebe chá a horas mortas num hotel. Em vez de enfrentar os desafios, deixa-os para trás, vende a casa, vende a fábrica de botões, abandona a mulher e a filha, olha que conveniência para o argumento! Benjamin é um contemplativo, mesmo no pino da juventude, ele abandona a festa onde Daisy vive a sua época de ouro. Parece que arrasta o peso da idade em cada movimento, em cada frase, mesmo se rejuvenesce a olhos vistos.

Também esperava uma narrativa menos comum da parte de Fincher, não um flasback de década após década motivado pela leitura de um diário por uma filha a uma mãe moribunda na eminência da tempestade Katrina!

O estranho caso de Benjamin Button, o filme, renunciou tanto quanto possível à aura fantástica, mágica, que o poderia ter tornado singular. A normalidade aparente de tudo o que nos oferece engole o extraordinário que o relato podia ter assumido e assim é apenas mais um filme. A vida é, portanto, um milagre normal. Porque dançamos, porque somos artistas, porque fomos atingidos por um raio sete vezes e sobrevivemos, porque atravessámos o canal da Mancha, tudo isso é milagroso, até Benjamin, o bebé que em vez de envelhecer rejuvenesceu, não foi ele o milagre esperado, mas ainda assim um milage, diz Queenie no momento em que o encontra abandonado nas escadas.

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