Livro: Moby Dick e relatos impressionantes de sobrevivência no mar



O resgate, com vida, dos seis tripulantes da embarcação de pesca "Virgem do Sameiro", desaparecida na terça-feira ao largo da Figueira da Foz, é hoje a notícia do dia. Os pescadores foram encontrados a 12 milhas, cerca de 22 quilómetros, a noroeste do cabo Mondego, pelo helicóptero da Força Aérea que colaborava nas operações de busca e salvamento. Estavam na balsa salva-vidas. As buscas começaram quinta-feira à tarde.

As histórias de sobreviventes de naufrágios capturam a imaginação de todos, ontem como hoje. Eu era uma miúda quando vi o filme Moby Dick, fiquei mais assustada com Gregory Peck do que com o cachalote branco! Não li o livro de Melville mas até gostava. Já este ano vi um remake lamentável do filme de John Huston, um filme de baixo orçamento, para televisão. Só para terem uma ideia, o Pequad, o baleeiro que parte de Nantucket, é aqui um submarino equipado com ogivas nucleares e os efeitos especiais parecem da era da Godzilla ou anteriores. Depois desse desastre já voltaram a filmar a história, penso que é a 5ª vez, e com grandes nomes do cinema.

Até há bem pouco tempo eu não sabia que a história de Moby Dick se baseava num relato verdadeiro. Nathaniel Philbrick escreveu o livro In the heart of the sea em 2001. Ele é jornalista e historiador norte americano. Dele consta o relato do ataque de um cachalote enfurecido ao navio baleeiro Essex em 1820, seu afundamento e sobrevivência da tripulação. Estes factos inspiraram Herman Melville a escrever sua obra Moby Dick. Durante 90 dias a tripulação ficou à deriva no mar em 3 pequenos barcos suportando tempestades, doenças, fome e a loucura. Sobreviveram com feroz racionamento de comida e tiveram de sortear e matar companheiros para comer. Sobreviveram 8 homens de uma tripulação completa, talvez de 20 homens ou mais.

Talvez se recordem da história mais recente dos 5 pescadores que saíram do México num barco pesqueiro a motor, em 2005. Três deles sobreviveram quase 300 dias no mar comendo peixes, aves, sangue de tartaruga e água da chuva, quando esta faltava teriam até bebido a própria urina. A discussão sobre este caso manteve-se durante um tempo pois surgiram dúvidas quanto ao relato. Este seria um novo recorde de sobrevivência pois o que habitualmente é citado é o de Poon Lim, chinês, que passou 130 dias no Atlântico, em 1942. Outros casos de singular sobrevivência são o de um casal inglês, Maurice e Maralyin Bailey, que andaram 117 dias à deriva no Pacífico, em 1973; e, em 2002, Tava'e Raioaoa, pescador do Tahiti, esteve 118 dias à deriva no Pacífico e sobreviveu. Outra história que me vem à cabeça, recente ainda, mas já não sei a data dela, um barco à deriva durante 15 dias no mar das Caraíbas. Tinha saído da República Dominicana com destino a Porto Rico, 30 pessoas à procura de um destino melhor. Uma viagem de dois dias transformou-se num inferno. Já não sei os detalhes, mas o barco perdeu-se. As pessoas começaram a morrer de desidratação, algumas lançaram-se à água para nadar até terra. Os sobreviventes, 5, mantiveram um dos mortos na embarcação e alimentaram-se dela.

O homem já chegou à Lua mas há momentos em que a tecnologia o abandona, e é então despido de artifícios que ele tem de se haver com a inclemência da Natureza. A história da sobrevivência e resgate dos pescadores de Caxinas, que passaram duas noites ao relento, está a comover Portugal e com inteira razão. Já pensaram na ironia de estar rodeado de comida e água e não conseguir matar nem a fome nem a sede?

Li algures que um estratagema para obter água, além de coletar a da chuva, é espremer água dos peixes. Mas apanhar os peixes não deve ser muito simples pois um náufrago não naufraga de cana de pesca na algibeira. E comida? A alternativa é comer tudo, mas tudo o que se possa encontrar, e isso pode incluir papel e até a própria roupa. Aliás, a única alternativa pode até incluir matar uma pessoa do grupo e comê-la, como muitas vezes aconteceu na história dos desastres marítimos e não só. A contínua exposição ao sol, ao meio ambiente, a solidão do mar ou de uma ilha – lembram-se de Chuck, personagem de Tom Hanks, no filme O náufrago, e da sua bola de futebol? – são mais provações a superar, para não falar da loucura e da eventual presença de espécies vorazes que não desdenhariam deitar o dente a umas quaisquer febras humanas embaladas num frágil bote!

Se pensarmos um instante podemos concluir que em muitas circunstâncias os náufragos actuais acabam por ter de enfrentar as mesmas condições dos homens do baleeiro Essex no séc. XIX - isolados da civilização, entregues ao capricho do destino, à deriva numa balsa, e certamente divididos entre a vontade de se salvar nos momentos de esperança e a vontade de morrer nos de maior desânimo, as suas histórias continuam a cativar a nossa imaginação e o nosso respeito.

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