Manoel de Oliveira por Manoel de Oliveira (1908-2015)


Infelizmente sem tempo para escrever sobre Manoel de Oliveira, hoje, dia em que se soube que este homem de longa metragem tinha, finalmente, ido à procura do bom clima, no paraíso. Se tiverem curiosidade este texto escrito alguns dias depois do realizador ter completado 100 anos (2008) resume a minha opinião sobre a arte do mestre.

Sobre o cinema

“A actividade do cinema é uma actividade artística, a última das artes, a Sétima Arte. E José Régio, por exemplo, dizia que o cinema era uma síntese de todas as artes. Mas o cinema, como todas as artes, está ligado à vida. O que se exprime, ou o que as artes exprimem, de um modo ou outro, numa forma abstracta ou concreta, é a vida”.

“O cinema só trata daquilo que existe, não daquilo que poderia existir. Mesmo quando mostra fantasia, o cinema agarra-se a coisas concretas. O realizador não é criador, é criatura”.

“Continuo a ser um aprendiz do cinema, continuo a aprender muito e até com os artistas novos. No cinema cada realizador põe uma nova folha numa frondosa árvore, mas o que sustenta a folha não são os ramos, não é o tronco, são as raízes. É por isso que estimo a história e a memória. É fundamental para a nossa vida, para os nossos juízos”.

“O cinema é imaterial, o teatro é material: os actores têm carne e osso, estão lá, vivos, nos cenários. Mas o cinema, não – é um fantasma da realidade”.

“Todos os realizadores são diferentes. E é assim que deve de ser. Felizmente o cinema ainda não foi atacado pela globalização. Pense na tragédia que isso poderia ser” .

“Sou apologista da variedade, mesmo no cinema artístico. Penso que a personalidade do realizador é que é a marca da originalidade. Não há outra”.

“O cinema é um fantasma da vida que não nos deixa senão uma coisa sensível, concreta: as emoções".“A função da crítica é fazer compreender ao espectador os filmes, entendê-los. Mas para fazer compreender é preciso que eles os entendam; se não os entendem, também não podem dá-los a entender. Essa é a verdadeira função do crítico: apreciar os filmes”.

Sobre os seus filmes

“O meu cinema tem um lado histórico, incluindo o "Aniki Bobó" [1942], que se tornou um filme extraordinariamente popular. Mal principiado e bem acabado”.

“O meu público é aquele que vai ver os meus filmes. O cinema dá-nos uma visão da vida. E a vida é um mistério”.

“Todos os meus filmes foram mal acolhidos".

“Penso que no país há uma grande indiferença pelo que já realizei. Tanto faz que o meu cinema exista ou não exista”.

“O que vejo em todos os meus filmes, sem excepção, é humanismo. Tenho um profundo sentimento humanista. Isso é verdade”.

“Uma das minhas maiores alegrias é sentir que os meus filmes são compreendidos, o que constitui uma satisfação profundíssima”.

“Às vezes acusam-me de que meus os filmes são muito falados. Ora, falados são os filmes americanos, e falam sem dizer nada. Ao menos os meus filmes dizem alguma coisa porque eu escolho textos ricos, bons, profundos, mais difíceis naturalmente”.

“Eu promovo as performances espontâneas. Os actores são o sal do filme. Eles dão corpo e voz às personagens e compõem a força do filme. É essa a razão porque a parte mais difícil de fazer um filme é a escolha dos actores” .

" É um erro fazer crer que o meu cinema é difícil. Isso não é verdade. Os meus filmes não são herméticos, pelo contrário são muito explícitos e claros. Por isso eles são para ser vistos por toda a gente e só não irá vê-los quem não quer”.

“Os meus filmes falam sobre valores que vão além do dinheiro, em busca de saber se existe alma. O tempo eu sei que existe. E talvez eu filme como filmo para contemplar o tempo”.

Todos os meus filmes são histórias de agonia, da agonia no seu sentido primeiro, no sentido grego, 'a luta'".

"Os meus filmes têm histórias um pouco profundas, às vezes difíceis de compreender. Por isso, filmo-os da forma mais clara possível. É preciso que o cinema seja claro, porque tudo o resto (as paixões, a vida), não o é".

"Os filmes que faço são os que entendo que devo fazer. É uma coisa pessoal. Gosto do cinema no seu aspecto artístico, não no aspecto comercial. Os filmes artísticos não têm por fim ganhar dinheiro”.

Sobre a vida

“Em casa falta-me espaço, na vida falta-me tempo. E não posso dar remédio nem a uma coisa nem a outra”.

“A liberdade impõe, logo de começo, o respeito pelo próximo. Isto pode explicar um pouco os limites da própria vida. Quer dizer, é preferível morrer a perverter a dignidade”.

“O homem é um bocado como o gato, fica preso às casas porque nelas se passaram histórias, e a casa é o guardião de todas essas histórias, problemas, alegrias, etc…”

“Parar é morrer e isto é aplicável hoje. O pior de tudo é parar, quer dizer, não se fazerem coisas, não se fazer nada, ficar com medo, retrair-se”.

“É mais importante a saúde do que o dinheiro. Uma pessoa com saúde pode dormir na soleira de uma porta. E um ricalhaço doente pode não ter posição na cama”.


“A ideia de felicidade não se vive. O momento de felicidade só é reconhecido mais tarde. Naquele tempo eu era jovem, um puto na força da vida. Hoje digo aos jovens, não tenham pressa. Mas esse é um tempo que recordo como um tempo de felicidade”.


“A televisão, que mostra sobretudo pornografia, ou violência, tiros, ‘mata e esfola’ é um dos maiores problemas contemporâneos. As mulheres trabalham e não estão ao lado dos filhos que ficam, sozinhos, a ver televisão. Hoje em dia há uma perda enorme de valores” .


“É a derrota. A vida é uma derrota. A gente vive na derrota. Nasce contra vontade, e não é senhor do seu destino”.

Sobre a morte

“Todos sabemos que vamos morrer. É a única certeza que temos. Não tenho medo da morte, tenho medo do sofrimento. É na vida que se encontram todas as maldades do mundo. A morte é o descanso” .

“Todos os meus filmes mostram que, de facto, todos os homens entram em agonia no momento em que chegam ao mundo. Sou um grande lutador contra a morte. Passei a vida a observar a agonia, cada vez com mais experiência, com cada vez mais vontade de mostrá-la. Mas a morte acaba por chegar".

"Prefiro o paraíso pelo clima e o inferno pelas companhias".

Sobre si próprio

"Enquanto criança, tinha uma inclinação para a tristeza e para a melancolia".

“Não olho para o que fiz. Olho para o que vou fazer”.

“É verdade, sou muito levado por intuições. Fui um péssimo aluno, não fui muito além nos estudos”.

“Quando nasci escrevia-se Manuel com 'o'. Eu fui registado com 'o'. E escrevia Manoel nos filmes, mas eles emendavam porque a ortografia moderna já era com 'u'. Umas vezes punham 'o', outras vezes punham 'u', até que eu impus: é 'o'! Tanto que nessa altura, quando já era mais conhecido, em França tratavam-me por Messieur de Oliveira, em Itália era Il Maestro e em Portugal era Ó Manel!”.

“O público português estima-me muito. Aqui no Porto, em Lisboa ou noutros sítios, sou abordado constantemente por pessoas que me cumprimentam. Sou muito estimado. No entanto, é mais por aquilo que ouvem e vêem, mesmo que não percebam nada de cinema. Mas gostam de mim e eu gosto que gostem de mim”.

“A memória falha-me muitas vezes. Mas será que devemos confiar na nossa memória?”.

“Aturar-me a mim próprio é que é muito difícil. O resto são ajudas”.

“Se eu não tivesse atingido esta idade não apanhava esta quantidade de prémios que me começaram a dar agora, no final da vida”.

"O cinema é o meu destino"

Sobre a Invicta

“Não escondo que gostaria que [o meu acervo] ficasse no Porto. É a minha cidade. Onde nasci, vivo e, provavelmente, morrerei. O Porto é uma cidade riquíssima, o que a maior parte das pessoas, incluindo as Câmaras, ignoram” .

“O Douro é um local verdadeiramente sensual".

Sobre as artes

“A arte, ou se gosta ou não se gosta, ou se entende ou não entende. Mas, de facto, há uma afirmação daquilo que é bom e daquilo que é mau através do tempo. É aquilo que resiste ao tempo” .

“Um filme tem que principiar, uma casa tem que principiar, e principia por uma entrada. Escolhemos a entrada, depois um corredor, depois esta sala fica aqui, a outra deve ficar acolá. Transformamos isto em cenas para a organização dos planos. A aproximação, nesse sentido, entre arquitectura e cinema é perfeita”.

“Acho que a música soa bastante melhor num filme romântico do que num filme realista”.

“O verdadeiro criador é inquieto. Inquietação é vida”.

"Tenho uma ligação com a Alemanha na parte cinematográfica, na história da câmara e das máquinas. Tenho percorrido aqui muito tempo, nunca esquecendo os grandes mestres alemães como Fritz Lang, Murnau, Ernst Lubitsch, e os actuais como Wim Wenders, um homem extraordinário. O cinema de cada país não é este ou aquele realizador; não é singular, é plural”.

“Há uma fórmula que adoro, que li escrita no jornal a propósito de uma escultura em Modena de Donatelli, que dizia: 'ele consegue a simplicidade dos gregos e o realismo da Renascença'. Achei esta ideia magnífica: ser simples quer também dizer ser claro, e ser claro é trazer à superfície o que é mais profundo".

“A arte é especial. Há uma só lei: o tempo. O tempo é o grande juiz, é o grande juiz de tudo”.

“Não há criadores, há recriadores. Criador é um só, todos nós fomos criados. Toda a arte é um reflexo, um espelho, da vida. E nem o teatro faz isso como o cinema. Vê-se um filme passado numa certa época e essa época está lá retratada”.

Manoel de Oliveira por João César Monteiro

“O problema é só este: o país tem (inexplicavelmente) um cineasta demasiado grande para o tamanho que tem. E, portanto, das duas uma: ou alargam o território ou encurtam o cineasta.”

Listagem de filmes de Manoel Oliveira disponíveis online

Foi compilada por Marcelo Miranda (Belo Horizonte, Brasil), e disponibilizada no Facebook, na sua página. Pedi autorização para publicar aqui, afinal ele teve o trabalho de catar todos esses links, obrigada Marcelo!


Douro, Faina Fluvial (1931) - curta-metragem

Famalicão (1941) - curta-metragem

Aniki Bobó (1942)

O Pintor e a Cidade (1956) - curta-metragem

Acto da Primavera (1963)

A Caça (1964) - curta-metragem

As Pinturas do Meu Irmão Julio (1965) - curta-metragem

O Passado e o Presente (1971)

Benilde ou a Virgem Mãe (1975)

Francisca (1981)

O Sapato de Cetim (1985)

Meu Caso (1986) - em francês, mas é fácil achar legenda pra baixar

Os Canibais (1988)

Non, ou a Vã Glória de Mandar (1990)

A Divina Comédia (1991)

O Dia do Desespero (1992)

Vale Abraão (1993)

A Caixa (1994)

Party (1996) - em francês

Inquietude (1998)

Palavra e Utopia (2000)

Porto da Minha Infância (2001)

Um Filme Falado (2003) - várias línguas ao longo do filme

O Quinto Império (2005)

Cristóvao Colombo - O Enigma (2008)

O Gebo e a Sombra (2012) - em francês, acha legenda fácil

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