Cinema: That Sugar Film - o açucar é o mau da fita


Em That Sugar Film Damon Gameau é cobaia de uma experiência! Durante dois meses ele irá ingerir diariamente o equivalente a 40 colheres de chá açucar – segundo ele é essa a média de açucar que os australianos ingerem – e filmar os efeitos daí decorrentes no organismo. Faz-se seguir por uma equipa que controla as alterações produzidas ao longo do regime açucarado e que verifica o seu aumento de peso e também o  princípio de doenças metabólicas – com apenas 18 dias o seu fígado já apresenta gordura. Além disso Damon queixa-se de alterações de humor, letargia, dores de cabeça e náuseas. Tudo isto e ele nem toca em fast-food. Ele ingere alimentos que a maior parte dos australianos consome e que julgam fazer parte de um regime alimentar saudável: iogurte, sumos, molhos, cereais. Antes de conhecer a namorada Zoe Truckwell-Smith, Damon confessa que vivia de chocolate, pizzas caseiras e cigarros. Depois, com a motivação certa - queria impressioná-la - ele mudou para um regime alimentar que considera saudável. Por isso todos podem mudar. É encontrar a motivação certa e ter informação adequada. Esse foi o seu objectivo ao realizar That Sugar Film, ou seja, mostrar de forma acessível e cativante informação capaz de ser utilizada pelos adolescentes, o evidente público deste filme, para agir.

Para tornar a informação atraente e conseguir motivar os mais jovens, Damon convida estrelas como Hugh "Wolverine" Jackman e Stephen Fry para animarem o início do filme, coloca os entendidos a falar nos rótulos dos produtos, transforma a equipa em super-heróis, usa animações educativas diversas, por exemplo para explicar o metabolismo do açucar no fígado, humor, rima, e ainda termina com um video musical que podia ser concorrente ao Prémio do Mais Foleiro do Ano em qualquer continente e não apenas down under. Há um evidente paralelo entre esta escolha e a utilização do açucar nos produtos com baixo teor em gordura. Por um lado tornam o filme mais engraçado e de fácil digestão, mas por outro distraiem daquilo que é central. Outra forma de nos cativar é a forma descontraída e casual como Damon assume a narrativa do filme envolvendo-se e à sua família nos acontecimentos. Tudo bem misturado e o filme desce olhos abaixo que nem um Smoothie até ao nosso estômago! Mas quando chega ao cérebro as coisas já não são tão doces porque algumas passagens, algumas afirmações, levantaram questões que achei suportadas com pouca evidência. Li depois um artigo - ver abaixo  - sobre o painel de especialistas que Damon convocou e fiquei ainda mais amarga. No entanto isso não invalida que educadores, animadores, professores ou até qualquer pai ou mãe preocupados com a velocidade com que os Oreos desaparecem da despensa não mostrem este filme ao adolescente. Educar contra  excessos é sempre uma mais-valia e limitar o consumo de açucar na nossa dieta não é nem uma má ideia nem uma ideia nova. Nem educar o paladar para sabores menos processados e mais naturais. That Sugar Film é um bom ponto de partida para a conversa sobre um tema algo ingrato - afinal, como aprender a recusar algo que sabe tão bem? Certo é que consegue cativar o interesse do espectador - vi-o com o meu sobrinho de 13 anos e ele achou piada.


Uma declaração bombástica que retive foi que se retiraramos das prateleiras de um supermercado comum os produtos alimentares que contêm açucar restarão apenas 20 % de produtos. Há um par de anos eu fiz uma experiência - passar um mês sem comer carne nem peixe. Desde essa ocasião dedico muita atenção aos rótulos e isto é verdade: o açucar está nas batatas fritas, na mostarda, no pão de forma e em muitos mais produtos. Um apontamento histórico sobre a morte do Presidente Eisenhower, de insuficiência cardíaca, informa-nos da existência de duas teses acerca do sucedido, uma que culpava a gordura e outra o açucar. Mas nos anos 70 e após o esforço de várias entidades – Governo de braço dado com a indústria e cientistas - para branquearem a má sina do açucar, a vilã incontestada passou a ser a gordura e tem início a vaga dos produtos com baixo teor em gordura. Para compensar a sua falta e a consequente perda de sabor, a indústria alimentar deitou mão ao açucar e a tendência permanece até aos nossos dias.

That Sugar Film também apresenta um momento choque: Damon viaja até ao Kentucky para nos mostrar a “Mountain Dew mouth”. Isso é o resultado da ingestão - em excesso e desde muito tenra idade, 3 e 4 anos - do popular refrigerante pelas crianças das comunidades daquela região,  o que resulta em dentições  apodrecidas quando chegam à adolescência. Damon mostra também como é difícil encontrar alternativas ao fast –food enquanto percorre as estradas da America ladeadas por grandes sinais de restaurantes como McDonalds, Kentucky Fried Chicken e Burger King. O acesso a uma alimentação mais saudável nem sempre é simples, por vezes comer bem não depende somente da nossa escolha. Outro momento perturbador é a visita que Damon faz a Amata, uma comunidade de aborígenes australianos. A comunidade era saudável antes do aparecimento do supermercado local, vivia dos produtos que cultivava e da caça. Ficamos a conhecer John Tregenza, The Chainsaw, um homem que diz ter este apelido porque “ cuts through the bullshit”. Ele é o mentor de um projecto intitulado MAI WIRU – Good Food que tem como objectivo incutir hábitos de alimentação saudável na comunidade. Para ele o açucar é o responsável pelas doenças e mortes prematuras dos aborígenes.

Para terminar  That Sugar Film lança a ideia de que o capitalismo é alimentado pelo açucar pois ele é o motor de grande parte da sociedade de consumo na associação complexa como trabalha no nosso corpo, mente e coração.  Mais ou menos isto. Até dá medo, não? 

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