It follows - Vai seguir-te. Este filme não é um horror de filme.


Ontem à noite vi um filme de terror - It follows. Isso merece destaque. Eu não vejo filmes de terror. Não porque seja medrosa mas porque é um género que nunca me atraíu. Apenas vi meia dúzia deles, os chamados clássicos. Não procuro ver, acho que é sempre tudo muito mau, más histórias, personagens feias a fazerem coisas feias, muito sangue, muitos gritos, enfim, não há pachorra. Qual a finalidade? Dar saltos na cadeira? Desviar o olhar? Ora bolas, a realidade tem histórias bem mais arrepiantes. Para que preciso eu dessas coisas monstruosas, sobrenaturais para não dizer estúpidas? O terror não me diverte, não me entretem, não me ensina nada. Há anos que eu milito nesta crença. Até que o ano passado uma voz começou a segredar-me ao ouvido – tens de ver It follows. Eu tratei de ignorar, mas a voz continuava - tens de ver It follows. A voz perseguiu-me durante meio ano. Filme atrás de filme. – Vais ver esse? Porque não vês antes It follows? Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Ontem vi It follows. E querem saber? É um bom filme de terror. Nem acredito que tenha colocado estas palavras numa mesma frase! E mais:é um filme protagonizado quase exclusivamente por gente na casa dos vinte e poucos anos. Juventude. Infelizmente a maioria dos argumentos trata os jovens actuais como estúpidos. Tanto as personagens como os espectadores. Ser jovem actor em Hollywood é o equivalente a uma maldição - os coitados são autenticamente perseguidos por argumentos irrelevantes e esterotipados. Sempre surgem umas excepções aqui a ali, claro, e It follows, pasmem, é uma excepção.

Ora, eu sou a última pessoa que pode escrever sobre as personagens maléficas dos filmes de terror. Não sou conhecedora. Norman Bates, claro. Chuckie e  Freddie Krueger. Todos estes nomes fazem parte da cultura popular, são óbvios. Consigo ainda nomear Samara mas páro aí. Curiosamente em It follows o terror não tem nome, não tem face. É como se fosse um vírus, tem existência material mas não se vê no primeiro contacto. Não será isso mais aterrorizante? Tal como Contagion, de Steven Soderbergh, não? Em It Follows  a maldição transmite-se por via sexual. É difícil não pensar na SIDA e nos tempos em que ser infectado era visto por muitos como um castigo para quem vivia na promiscuidade.  Em It follows a pessoa “infectada” passa ao par a sua doença e esta para se livrar dela terá de passar a maldição a outrém também por via sexual. Enquanto não o fizer ela será perseguida por uma entidade que pode assumir qualquer rosto, amigo, inimigo, conhecido ou não, e essa entidade não descansará enquanto não a matar. Essa entidade, por mais zombie que pareça, no seu passo lento e aparência, nunca desiste. Mas há mais: se a pessoa a quem o infectado passou a doença for apanhada, a maldição regressa ao hospedeiro inicial. A partir desta simples ideia se constrói todo o filme.  

Com It follows, não damos saltos na cadeira, bem pelo contrário, ficamos colados a ela. A atmosfera do filme faz-nos enterrar nos estofos e oprime-nos, subjugando-nos à incerteza do que estamos a ver. Os movimentos de câmara envolvem-nos nela, a banda sonora colabora de forma magnífica neste propósito. O terror corporiza-se naquelas criaturas que mais não fazem do que caminhar lenta e resolutamente na direção de quem querem matar. Não se sabe quando nem de que forma. Não passa disto mas é supreendentemente bom. É como se Jay, a protagonista, tivesse sido marcada para morrer por um assassino que permanecesse escondido à espera do melhor momento para lhe tirar a vida. É nesta intermitência que a história evolui, como se de um pesadelo ou de uma alucinação se tratasse. Os interiores e exteriores ajudam na construção de um certo alheamento espacial e temporal, uma irrealidade reforçada pela quase ausência de adultos. 

Os jovens são todos excelentes actores, bem escolhidos, em especial a protagonista que espero consiga dar o salto para desafios maiores. Será vulgar encontrar poemas – The love song, of J. Alfred Prufrock de T.S. Elliot , sim tive de procurar no Google – e textos de Dostoevsky em filmes de terror? Não sei. Mas há neste uso do escritor russo uma pista encontrar um sentido para todo o exercício desenvolvido no filme: o maior sofrimento não é morrer, é saber que se vai morrer. Uma história bem contada é sempre uma boa história, ainda que seja uma história de medo. Eis a conclusão.  Posto isto, acho que vou procurar mais alguns títulos do género. Aceitam-se sugestões.

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