A recordar filmes em véspera dos Oscars


Os Oscars já vão ser entregues no próximo Domingo 26, ou seja, amanhã. Há muito que deixei de ficar a pé para ver a cerimónia na TV mas continuo a ver cinema sempre que posso, pelo menos os filmes nomeados para a categoria de Melhor filme e Melhor Argumento não escapam. É preciso não esquecer que os Oscars são um certame que celebra sobretudo o cinema made in USA e que não esgota as possibilidades. Mas é fácil esquecer que há mais cinema do que esse quando se vai ali ao multiplex. 

Ao longo do ano de 2016 vi perto de uma centena de filmes. Está difícil encontrar filmes que considere obras-primas. Talvez isso apenas signifique que estou mais exigente ou que o cinema anda sobretudo a repetir-se em fórmulas que vendem. Um destes dias alguém queixava-se que La La Land era engraçado mas que não sabia aonde tinham ido parar os grandes filmes. Muitas vezes bastaria a um filme ser competente no equilíbrio dos vários elementos em jogo para ficar satisfeita mas os filmes que ultimamente vejo estão cheios de "mas". Nada pior do que dizer de um filme que é bom "mas". Além desse equilíbrio eu busco também uma qualquer capacidade de surpreender. Ainda assim não é fácil ser surpreendida. Não fui ver Jackie e não sei se irei. Como é que vou ver mais uma história sobre Jackie Kennedy depois de tantos filmes e séries sobre a senhora? Não há nada de mais original para fimar? E por vezes tem-se esta sensação, embora errónea, de que já se viu tudo, que também é reforçada pela presença constante das mesmas caras. Com frequência vemos o mesmo actor em dois ou três filmes ao longo do ano. Que diabo, o cinema não é o futebol. Evidente que gosto de ver algumas delas repetirem-se mas nem sempre asseguram o êxito do filme, nem quando são máquinas de representação, e quando um filme aparece em que os actores são completos estranhos é que percebemos o valor dessa frescura. Também tenho de me conformar pois nem sempre vejo o que quero, vejo o que posso ver. Um ano depois volto também eu a repetir-me e a dizer que gostava de poder ter escrito sobre mais alguns dos filmes que vi mas o tempo não chegou para isso. 

Em 2016  alguns filmes vi que foram uma completa decepção e no topo da lista está Queen of the Desert, um filme dirigido pelo mais que experiente Werner Herzog, sobre a vida de uma extraordinária mulher: Gertrude Bell. Fiquei com uma enorme vontade de ler uma boa biografia sobre esta viajante do deserto, arqueóloga, e exploradora, uma espécie de Lawrence da Arábia. Outro desaire chegou pela mão do também experiente Guiseppe Tornatore, um filme intitulado The correspondance, com Jeremy Irons, sobre um professor que estuda buracos negras e estrelas, com a Olga Kurylenko, a sua personagem trabalha como stunt e é bonita e tal, ele, mais velho, morre e transforma-se num fantasma que ganha vida em mensagens  e videos enviados à amante através de um plano que se destina a alimentar a sua pós-vida e a história de amor de ambos. Um torpor e uma péssima ideia, um filme interminável. Suicide Squad, que vi com o meu sobrinho, devem pensar que meter umas quantas canções animadas na banda sonora chega para esquecer a nulidade que nos venderam. Dá vontade de pedir o Livro de Reclamações: posso ter o meu dinheiro de volta? Entra a Margot Robbie que nasceu para ser Harley Quinn, é só o que recordo. No final questionava se estaria a ficar velha para filmes inspirados por quadradinhos ou o se o filme seria apenas uma total e real bosta. Era bosta, até o meu jovem sobrinho concordou. Além dos péssimos filmes que nos marcam negativamente e que nos fazem contorcer na cadeira e chorar o preço do bilhete e tempo desperdiçado, existem os filmes de que nunca mais nos lembramos mesmo sendo razoáveis. Não sendo bons e não sendo maus ficam como que num limbo. Desses nem vou escrever mas até é injusto. 

Daqueles que recordo, temos então os filmes que arriscaram tudo - ou quase tudo - como Swiss Army Man ou Elle e que nos deixam uma marca profunda, mas positiva. São do tipo que fazem algumas pessoas deixar a cadeira sózinha sentada no escuro. Alimentam discussões infindáveis ou fazem com que os espectadores tenham medo de remexer no assunto. Se uma história com um cadáver flatulento vos pode parecer inconcebível não se espantem- eu própria não estava a acreditar no que estava a ver: o "Harry Potter" impulsionado a gases e a ser cavalgado pelo mar dentro como se fosse um golfinho! Mas se conseguirmos ultrapassar a estranheza e, porque não, o choque inicial, aguarda-nos uma história surreal, bem defendida pelos actores e que nos surpreende até ao fim. Como é que conseguiram pegar numa ideia tão abjecta e torná-la até profunda? Esse foi o brilharete mais criativo do ano; já em Elle travamos uma batalha num território muito mais real para acompanhar o trajecto e escolhas de uma das mais insólitas e complexas personagens que o cinema produziu em tempos recentes, uma grande interpretação para Isabelle Huppert. Lembro ainda White Girl onde podemos ver uma também excelente interpretação de Morgan Saylor que eu apenas conhecia como a aborrecida filha do Brody de Homeland. É o filme de estreia de Elizabeth Wood, incomodou muita gente por causa de questões raciais, privilégio da classe branca e cenas de sexo,  e vou ficar de olho nos próximos filmes que faça. Fruto do tédio cinéfilo em que me encontrava fiz algumas incursões num género que não costumo visionar, o do horror, tive algumas boas surpresas ao ver It follows, Green Room e The witch. Todos muito aconselháveis, por diversas razões. Já escrevi sobre It follows com algum detalhe, Green Room merecia esse detalhe, estupenda realização e exploração do conciso argumento, os momentos de horror costumeiros e que não fazem a minha praia, mas, perfeitamente sustentados na história, nas boas personagens e interpretações, e ritmo irrepreensível. The witch - uma excelente  reconstituição de época, o séc. XVII , místico e rural, da Nova Inglaterra, é um pequeno grande filme sobre muito mais que o sobrenatural, e, lá está, rodado inteiramente com actores desconhecidos sem qualquer desprimor para o facto. Um dos filmes mais longos que vi foi The wailing, filme sul coreano, também dentro do género horror, 156 minutos, com uma boa dose de mistério e excelente atmosfera, desenvolve-se em torno da chegada de um estranho japonês  a uma aldeia, uma doença tenebrosa, acontecem assassinatos e exorcismos, dá-se a investigação subsequente. A dado momento fui engolida pela história e nunca mais me encontrei. Deixei de tentar perceber e fui indo. Mesmo assim não foi uma má experiência. Por outro lado,  Port of call, de Hong Kong para o mundo, foi uma experiência atroz, um dos filmes mais desoladores que vi o ano passado, tem uma cena de demembramento totalmente evitável, é do mais triste que se possa imaginar, ainda mais melancólico e desesperado que qualquer Manchester by the sea alguma vez sonhou ser, centra-se na morte de uma jovem adolescente, há um detective que faz a investigação do caso, chega-se ao fim sem alma. Não tenho quaisquer preconceitos e vejo cinema de todo o género, experimental, alternativo, clássico... e de todos os cantos do mundo. Mas tinha jurado que não via mais filmes com super-heróis -  e porque será isso? - mas Deadpool teve piada e não foi mau de todo, gostei de Ryan Reynolds, um actor que, caso possa, evito. Mesmo assim, pensarei duas vezes antes de voltar a ver um filme de super-heróis. Ainda houve Legend um filme com Tom Hardy a dobrar porque interpreta dois irmãos gémeos, e Tangerine, um filme que foi buscar uma história à prostituição trangénero e se não bastasse mostrar um universo pouco visível no cinema foi uma proeza técnica ao ser totalmente filmado com um iPhone 5S, resultando muito mais interessante que muitas super-produções. Houve muitos mais mas já chega de recapitulação. Deliberadamente não me referi aos mais conhecidos, que muitos de vocês devem ter visto. Para finalizar deixo apenas a lista dos meus favoritos entre essa centena que vi: Zootopia, Captain Fantastic, Kubo and the Two Strings, Hunt for the Wilderpeople, The Handmaiden, Green Room, La Novia, The witch, Youth, It follows, The lobster, Spotlight, A bigger splash, Maggie's Plan, The big short, Swiss Army Man, Elle. E chamo ainda a atenção para o filme francês Divines, que já vi no início de Janeiro, e que é muito, muito bom.

E pronto. Os Oscars são entregues amanhã e está tudo à espera que La La Land seja considerado o melhor filme do ano. Tem um record de nomeações absurdo mas creio que muitas delas não serão atribuidas. Não há como acreditar que Ryan Gosling possa bater Casey Affleck ou Denzel Washington e em termos de argumento qualquer dos competidores é melhor. Este ano já venceu a diversidade, isso é um facto. Os filmes de que mais gostei foram Manchester by the Sea,  Moonlight e Hell or High Water. Depois, Arrival e Hacksaw Ridge. Por fim Hidden FiguresLa La LandFences e Lion.

Para mim a maior supresa da lista de nomeados foi Hell or high water, a maior decepção foi La La Land. Já escrevi sobre eles, não vou insistir. Manchester by the sea e Moonlight são dois excelentes filmes, escorreitos, embora não sejam arrebatadores. O Oscar de melhor do ano devia premiar um deles. Arrival é um bom filme de ficção científica, com um argumento desafiante mas com uma base científica muito intrincada e demasiado louca para fazer sentido, pelo menos, para mim. É evidente e excelência técnica envolvida, mas tem alguns "mas". Hacksaw Ridge também é dos tais com alguns "mas", mas a batalha de Okinawa fica novamente na história pela espectacularidade e brutalidade com que Mel Gibson a filmou. Também o som devia ser distinguido, não me recordo de alguma vez me ter sentido tão cercada e debaixo de fogo como neste filme: apenas o som já é por si só uma experiência incrível. Tal como em Hidden Figures - que nos contou sobre o pioneirismo das três cientistas afro-americanas da NASA e trouxe a Janelle Monae para o grande ecrã com tanta competência como na música - ficamos a conhecer uma história real, a de Desmond Doss, o primeiro objector de consciência norte-americano, um homem que  resgatou 78 companheiros, uma que gostei de conhecer. Em Fences Denzel Washington não teve mão para transformar uma peça de teatro em cinema mas a sua interpretação e a da Viola Davis - interpretação secundária - são dignas do prémio. Hesito entre Denzel e Affleck para o Oscar de Melhor actor, felizmente não me cabe decidir, apenas apreciar. Lion também nos deu a conhecer a história real de um improvável reencontro. Saroo, que aos 5 anos se separa acidentalmente do irmão  numa estação de comboios,  é depois adoptado por uma família australiana e aos 25 reencontra a mãe biológica, num regresso à India. Niguém se conseguirá mais esquecer do pequeno Saroo e da beleza desesperada com que a câmera captou a sua jornada de sobrevivência, mas isso não chega para fazer de Lion um grande filme. 20th Century Women tem uma menção mais que justa na sua nomeação para Melhor Argumento Original mas não caíu nas graças da Academia. Todos os anos torço para que ganhe um filme de animação em stop-motion mas este ano o meu favorito é Zootopia, um triunfo da Disney, que pode ser tão apreciado por crianças como por adultos.  Amanhã saberemos tudo. 


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