Ficheiros nada secretos: o caso Maçães.

 A) Preliminares: quando quer acasalar o pinguim-gentoo oferece uma pedra de textura macia à sua amada no intuito de conquistar o seu coração. Os pinguins podem passar horas a calcorrear as praias da Antártica à procura do seixo perfeito. Quando o pinguim macho encontra a pedra ideal, apresenta-a à fêmea como uma oferta de amor. Se a fêmea gostar do que vê leva a pedra para o ninho e há truca-truca.

B) Corpo do delito. Uma jornalista arruivada e jeitosa, de nome Lily Lynch, botou a boca no trombone. Maçães, um obscuro, creio eu, ex-secretário de Estado para os Assuntos Europeus, teria sustentado com ela conversas virtuais ameaçadoras e intimidatórias (!) nos idos de Outubro de 2016, e cereja no topo do Twitter, mandou-lhe um instantâneo da perna do meio. Não se conheciam pessoalmente. Tão tolinha ela quanto ele, ela porque deu trela ao sr. secretário, alimentado conversetas que não lhe estavam a cair bem, ele, porque tendo inclusivé a noção de que estava a pisar o risco, confessando receio pela sua carreira política se tal novela pseudo-erótica viesse a público, persistiu e ainda coroou a sua bravata daquela explícita forma gráfica. Foi quanto bastou: o Maçães foi agora apanhado nas malhas do sexting. 

Há uma linha ténue que separa a brincadeira sexual aceitável do assédio e da exposição não consensual de material íntimo, abusiva. O jogo tem a sua piada mas o jogo tem regras, que bem podem até ser não escritas, e há consequências quando se quebram. Saber jogar implica não ser ingénuo digital, e, antes disso, não ser um idiota. O jogo não é novo, é apenas uma adaptação às novas possibilidades tecnológicas, longe vão os anos 80 e o arquitecto Tomás Taveira e as suas cassetes video caseiras. Mas que fiquem tranquilos os Maçães que me têm enviado fotos da perna do meio ao longo dos meus anos nas redes pois não vou agora e na onda do recente hashtagmetoo começar a acusar ninguém de me ter enxovalhado ou intimidado, de me ter sentido abusada ou assediada. Se me fizeram sentir assim terão sabido na hora e ouviram o que era devido. Não costumo deixar os assuntos ingratos a marinar, isso apenas faz com que o seu sabor desagradável se intensifique. 

O jogo do engate e da sedução mudou-se das palavras para as imagens e esta forma de viver o erotismo conquistou todos quantos andam com ele na mão. Ele, o smartphone, claro. As fotos de falos e nudes tornaram-se cartões de apresentação, desbloqueadores de intenções, uma nova normalidade. Este caminho que parece seguir o trilho triunfante dos emoji é mais um sinal da atrofia crescente do uso da escrita nos relacionamentos. A isso nos conduziu a vertigem do quotidiano moderno apoiada na muleta da tecnologia. Carregar em teclas e escolher imagens para expressar os nossos desejos mais íntimos e sentimentos é rápido e uma imagem vale mais que mil palavras. Gesto empobrecedor para quem sofra, como eu, do sindroma de Roxana, assumo que nisto dos galanteios sou mais depressa seduzida por Cyranos poetas do que por belos Cristianos sem dom de palavra, a quem esta tendência moderna deve sem dúvida sorrir. Ai, Maçães, Maçães, estás bem Lynchado.

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